quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Entrevista com Roberto Pompeu de Toledo

Colunista da última página da Revista Veja
Entrevista realizada por José Reinaldo Marques em 23/12/05
Título: Em tempo de produção independente
Fonte: Site da ABI
Link:
http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=901

ABI Online — Quais os principais veículos em que o senhor atuou? Pompeu de Toledo de Toledo — Tive uma breve passagem pela Rádio Bandeirantes e depois fiquei um período maior na Rádio Eldorado, ambas em São Paulo. Do rádio, fui para o Jornal da Tarde e, em seguida, para a Veja. Depois, trabalhei no efêmero Jornal da República, na IstoÉ como redator-chefe, retornei à Veja, fui ser editor-executivo do Jornal do Brasil, e voltei à Veja pela terceira vez, onde fui editor de Internacional, editor-executivo e correspondente em Paris.

ABI Online — Há muita diferença entre o jornalismo de hoje e o do início de sua carreira? Pompeu de Toledo — Sim, há inúmeras. Começa pela tecnologia. O computador mudou a ecologia das redações.
ABI Online — Como assim? Pompeu de Toledo — Antes havia muito papel em cima das mesas e no chão e um barulho louco de batuque nas máquinas de escrever. Uma nuvem espessa da fumaça dos cigarros cobria o salão. Hoje reina o silêncio, não tem papel, nem no chão nem nas mesas, e não se fuma. O ambiente é quase conventual. O que é duro de engolir é que, quanto mais avança a tecnologia, mais recuam os prazos de fechamento. Não dá para entender.
ABI Online — E no que se refere aos jornalistas? Pompeu de Toledo — É comum também dizer que os jornalistas eram mais bem preparados. Mais letrados, pelo menos. Desconfio que isso possa ser papo de velho. O que o jornalismo perdeu em boemia ganhou em profissionalismo.
ABI Online — Atualmente o senhor é editor especial de Veja e mantém uma coluna na revista. Como atuam o editor e o colunista? Pompeu de Toledo — O segredo é que o editor não atua. "Editor especial" é um rótulo, só. Há tempos estou desligado da engrenagem da redação. Trabalho em casa e tenho uma produção independente. Minhas obrigações são a coluna e, de vez em quando, cada vez mais de vez em quando, uma reportagem, uma entrevista ou uma resenha de livro.
ABI Online — A globalização deu uma nova dimensão para o ato de informar e comunicar. Como o senhor avalia a comunicação globalizada que se desenvolve no mundo hoje? Pompeu de Toledo — Uma loucura. E está só começando. A parte boa é que hoje eu posso ler jornais de várias partes do mundo, via internet, na mesma hora em que os leitores locais. A parte ruim é a neurose potencial de não se desligar nunca. Quem tem um laptop e um celular está o tempo todo conectado. Esses dois instrumentos eliminaram as férias. Os franceses têm um verbo ótimo, dépayser (literalmente, "despaisar") para descrever a sensação das férias, quando você sai do seu ambiente (quer dizer, sai do seu país) e passa a viver num outro patamar. O laptop e o celular anularam o dépaysement. Eles são o seu país e estão grudados em você.
ABI Online — O nível do texto dos jornais e revistas brasileiros é bom? Pompeu de Toledo — Mais ou menos. O dos jornais e revistas principais, líderes nos maiores centros, é razoável. Mas o texto que se lê nos centros menores é, em geral, ruim.
ABI Online — Como senhor analisa a qualidade das mensagens jornalísticas veiculadas na TV, no rádio e na internet? Pompeu de Toledo — Quanto à TV, eu prefiro as emissoras a cabo; seus jornais são mais completos e descansados e contam com analistas e comentaristas. Não gosto da velocidade do “Jornal nacional”, ainda muito radiofônica para o meu gosto. Também não gosto dos tiques que são impostos aos apresentadores, como um olhar para o outro ou sorrir totalmente quando anuncia uma notícia de futebol.
ABI Online — O problema está então nos apresentadores? Pompeu de Toledo — Tem apresentadores (principalmente apresentadoras) de telejornal que parecem querer emular a Fernanda Montenegro, de tanto que acompanham a leitura da notícia com inflexões de voz, sorrisos — quando acham que a coisa é alegre —, cara fechada — quando acham que é triste —, cenho carregado — quando acham que é condenável — e assim por diante. O que é isso? Telejornal não é telenovela.
ABI Online — E o rádio? Pompeu de Toledo — Acho que, mesmo nas melhores estações, faltam critérios uniformizadores na programação como um todo e gente mais bem-informada. Parece que eles ainda pagam muito mal, daí faltarem profissionais mais qualificados.
ABI Online — E a internet? Pompeu de Toledo — É aquele festival: tem o melhor e o pior. Agora estamos na mania dos blogs. A maioria não presta. Os melhores sites são as versões eletrônicas das grandes publicações, e não é à toa que isso ocorre: jornalismo é coisa cara, que exige investimento.
ABI Online — O senhor escreveu um artigo dizendo que milhões de anos de progresso da humanidade, inclusive a invenção da escrita, são jogados fora à porta dos toaletes. Por quê? Pompeu de Toledo — Ué, será que não fui claro? Há banheiros com bonequinhos na porta, outros com peças do vestuário (cartola para o homem, luvas para a mulher), outros com objetos (cachimbo e batom), e sabe-se lá mais o quê. Os desenhos muitas vezes são indistinguíveis, provocando o risco de você errar de porta. Merece toda a minha consideração o estabelecimento em cujos toaletes está escrito "Homens" e "Mulheres". Custou muito para a humanidade chegar ao estágio da linguagem escrita. Nos banheiros, ela é revogada.
ABI Online — Como senhor analisa o comportamento da imprensa diante do atual quadro político? Pompeu de Toledo — A imprensa vai indo razoavelmente, se bem que a volúpia de passar na frente do concorrente e trazer denúncias novas atrapalhe. Por um lado, porque corre-se o risco de trazer denúncias dessubstanciadas; por outro, porque a cada nova denúncia esquece-se da anterior. É como um monte que você vai alimentando acrescentando-lhe novas camadas, e tantas que afinal as que estão por baixo ficam encobertas. A certa altura, o leitor perde o rumo e o interesse no assunto.
ABI Online — Como avalia o jornalismo investigativo no Brasil? Pompeu de Toledo — Ele existe? Ao que me consta, na maioria dos casos as coisas caem no colo dos jornalistas. Como é possível que o atual governo tenha aprontado tanto, durante mais de dois anos, sem que ninguém percebesse? Porque a imprensa não investigou.

ABI Online — As revistas semanais, principalmente a Veja, vêm sendo acusadas de publicar matérias muito sensacionalistas e mal apuradas envolvendo corrupção. O senhor concorda? Pompeu de Toledo — Não me consta que alguma das matérias tenha sido cabalmente desmentida. Esta acusação, ao que me parece, tem como alvo a questão do vôo de Cuba. A própria matéria da Veja fazia ressalvas que deixavam dúvidas no ar. Mas, depois de ver na TV o depoimento do implicado — esqueci o nome dele, acho que é Poleto ou algo assim, aquele sujeito que disse estar bêbado quando deu a entrevista ao repórter Policarpo Júnior e que foi desmentido no ato com a gravação levada ao ar, ficou claro que ele não participou de um inocente vôo trazendo três caixas de bebida.
ABI Online — A história dele está mal contada? Pompeu de Toledo — É absurdo alugar um avião para transportar três caixas de bebida. Além disso, se fosse mesmo o bêbado que alega ser, aquele sujeito seria a pessoa menos confiável para transportá-las. O meu faro indica que há um erro em considerar que o dinheiro tem origem em Cuba; deve ter origem em outro lugar. O que o episódio revela é uma rota de Cuba para internar dinheiro.
ABI Online — Muitos colegas acham que os jornais estão cobrindo a crise do governo com mais acerto e isenção do que as revistas. Qual é sua opinião? Pompeu de Toledo — Acho que isso tem a ver com a dificuldade das revistas de separar a notícia do editorial. Os jornais avançaram nesse sentido. Houve tempo em que O Estado de S. Paulo, por exemplo, “editorializava” as notícias. Hoje já se curou disso.
ABI Online — Qual o perigo da “editorialização”? Pompeu de Toledo — Eu, particularmente, me irrito muito se estou lendo uma notícia e deparo com um editorial. O mesmo acontece quando leio um editorial incompetente e deparo com uma notícia.
ABI Online — Como as revistas se comportam nesse contexto? Pompeu de Toledo — As revistas surgiram tendo como característica a contextualização da notícia, o que exige esforço de análise e um texto mais comentado. Para não cair daí no editorial, é preciso talento e vigilância.
ABI Online — O que diz da relação do Governo Lula com a imprensa? Pompeu de Toledo — Governo é assim mesmo, não gosta de imprensa. Quando Lula estava na oposição, adorava uma denúncia na imprensa. Hoje, acha que vivemos uma era de "denuncismo".
ABI Online — O senhor fez uma entrevista com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso que acabou resultando no livro “O presidente segundo o sociólogo” (Cia. das Letras, 1998). Qual é a diferença de Lula para FHC no trato com a imprensa? Pompeu de Toledo — Não muita, se você se refere à reação contra notícias negativas. Repito: governo não gosta de imprensa. Se você se refere à acessibilidade do Presidente, FHC é muito mais acessível, não tem medo de conversar com jornalista. Lula tem.
ABI Online — Há muito o senhor vem escrevendo sobre a desigualdade racial no Brasil. Por que a imprensa brasileira não gosta de falar nesse assunto? Pompeu de Toledo — Será que não gosta? Nos últimos anos, acho que o assunto desencantou. O Brasil tem todo um passado de idílica idealização da questão das raças, a tal da "democracia racial", e isso foi difícil — ou está sendo difícil — de romper. Hoje já tem quem cuide do assunto no governo, debates como o das cotas nas universidades estão na ordem do dia... Isso vai mudando a forma de encarar o problema, e a imprensa vai junto.
ABI Online — O que o senhor acha do sistema de cotas na universidade? Pompeu de Toledo — Já fui a favor, mas hoje estou mudando de posição e simpatizo mais com a proposta de reservar cotas para as escolas públicas. Assim como não gosto da importação do Halloween, não gosto da importação das cotas. Explico-me: um e outro são produtos made in USA, nem sempre convenientes a terceiros. Nos EUA, você não escapa de um rótulo: negro, asiático, índio... Até "latino" — e estes somos nós, os latino-americanos, tratados com essa simples palavra, como se fôssemos as mais puras flores do Lácio.
ABI Online — De que maneira então o senhor acha que o assunto deveria ser tratado no Brasil? Pompeu de Toledo — É saudável as próprias pessoas poderem achar o que quiserem a respeito da cor de sua pele. O Ronaldinho acha que é branco e muito bem, parabéns para ele. O Vinicius de Morais achava que era negro, o FHC também, e parabéns igualmente.
ABI Online — Por que senhor criticou a transferência de Robinho para o Real Madrid, dizendo que “era o último exemplo da submissão brasileira ao império das metrópoles da bola”? Pompeu de Toledo — O Brasil aceitou servilmente a situação de fornecedor de mão-de-obra para a Europa no futebol. É a reprodução de um padrão colonial que aceitamos candidamente. O jogador de futebol não se julga realizado se não é contratado por um time europeu. Às vezes, nem é questão de muito dinheiro a mais. A questão é que o bonito e chique é jogar na Europa. Hoje voltamos à típica situação do subdesenvolvido, que fornece matéria-prima para ser refinada em outras praças.
ABI Online — O filósofo Olavo de Carvalho o acusa de fazer sucesso no jornalismo “opinando com desenvoltura e segurança sobre assuntos dos quais não tem a mínima idéia”. Pompeu de Toledo — Ele disse isso é? Eu não sabia. Devia estar nervoso, coitado. Eu não sei onde ele escreve.
ABI Online — Já o professor de Literatura Portuguesa Adelto Gonçalves, da USP, diz que o jornalista é um repórter da História, porque o que ele escreve hoje irá permitir ao historiador reconstituir uma época. Pompeu de Toledo — Eu concordo. ABI Online — A decisão da Justiça Federal, proibindo a Folha de S. Paulo de noticiar qualquer coisa sobre o caso Kroll, significa a restauração da censura prévia? Pompeu de Toledo — Não chegaria a tanto. Até onde posso enxergar, é um caso isolado e muito passível de ser derrubado numa instância superior.
ABI Online — O ano de 2005 foi marcado também por diversos casos de agressão e ameaças a jornalistas. Nossa democracia não aprendeu a conviver com a liberdade de expressão? Pompeu de Toledo — Essa questão merece uma distinção. Não acho que nos grandes veículos e nos grandes centros a imprensa esteja ameaçada; a liberdade talvez nunca tenha sido maior. Já no âmbito provincial e municipal, a imprensa é tacanha, dependente do poder e sujeita a toda sorte de intimidações. Precisaríamos de uma imprensa regional forte para equilibrar esse jogo. Mas, para isso, precisamos ter regiões fortes. Eis a questão.

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